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O QUE BEBER - QUE VALE A PENA

Brasil, um balanço. Mais um.


BRASIL - POR BRENO RAIGORODSKY - Na França, no início dos anos 1970, em Paris, na Rue Alesia, ao lado do Parc Montsourris, era possível encontrar Granja União a 11 Francos, o mesmo preço que se pagava por vinhos argelinos.

Daquele tempo pra cá, nunca deixei de olhar para o que se fazia.

De vez em quando, desde 2008, tento me atualizar de forma mais sistemática em relação ao potencial do vinho brasileiro, não apenas no mundo dos espumantes, como principalmente entre os vinhos tranquilos.

Comecei pelo nosso mágico, o físico do vinho, o querido Vilmar Bettù e suas experiências com os Família Bettù. Trocando ideias com o irmão Orgalindo, foi construindo um trabalho de respeito no mundo, sendo muitos dos seus vinhos a inspiração necessária para outras produções. Seus Bordoleses C e B, seu Nebbiolo, seus rosados sem cor, seus chardonnay com e sem madeira, estão certamente entre os melhores vinhos que jamais foram produzidos no Brasil.

Mas, na base de qualquer comentário sobre o vinho brasileiro mais genérico, está obrigatoriamente a superação da cruel coincidência entre a época da colheita e a época das chuvas na região de produção. Este fenômeno que se repetia em 8/10 anos, diluía o índice de açúcar das uvas, reduzindo para 10,5% de álcool o extrato conseguido, exigindo a chaptalização (adição de açúcar no vinho) compulsória dos produtos, por anos a fio.

Neste mesmo lugar, é preciso citar as exceções que viveram a confirmar o ditado: Granja União, Chateau Chevalier, Chateau Lacave, Velho do Museu, Dal Pizol e outros tantos, primeiros arremedos de qualidade com uvas vitiviníferas, mas que não conseguiam sequência de qualidade e escala para ganhar massa crítica e voar mercado adentro.

Hoje, esta base do mal está dominada. Vejo em Bento, Flores da Cunha, Pinto Bandeira e arredores, em São Joaquim, na Campanha para lá de Encruzilhada do Sul a Uruguaiana.

E vejo, mais recentemente, a bem-vinda técnica consagrada de produção dos vinhos de inverno, com multi-poda e colheita em junho, dos vinhos de MG e SP.

No que deu isso tudo? Esta evolução tecnológica conseguiu fazer migrar o consumidor de vinho de garrafão para o dito vinho fino? Conseguiu trazer o produtor de vinho de uva americana para a vitivinífera? Conseguiu trazer para o mundo do vinho capital que tinha outro destino de reprodução?

Quem participa e acompanha de perto o que vem acontecendo desde a década de 1990, sabe que – mesmo não sendo consagrados pelo mercado – os produtos foram ascendendo em qualidade.

Em 2013 promovi uma degustação histórica, neste sentido, com a realização do WineIn, na sede da Fecomércio, em SP: uma degustação às cegas que contou com 10 participantes vindos de fora do continente, para avaliar cinco vinhos brasileiros, cinco chilenos e cinco argentinos na mesma faixa de preço. Uma primeira rodada de vinhos que custam no mercado de SP até R$50,00 e uma segunda até R$150,00. Na mais barata, os vinhos brasileiros se comportaram tão bem quanto os chilenos e argentinos.

Na mais cara, os mais admirados foram dois brasileiros – Lote 43 Miolo e DNA99 Pizzato. Chegaram na frente de vinhos conhecidos inclusive na Europa, como Clos de Los Siete, Errazuriz, Achaval Ferrer...

Passados cinco anos, os produtores brasileiros não pararam de crescer em volume de uvas vitiviníferas plantadas, não pararam de ceder à uva para vinho mais e mais hectares. Produtores tradicionais de uva americana, modernizaram-se, trouxeram nova maquinaria, atualizaram seus procedimentos. E quase sempre abriram um leque de produtos que vão do mais simples, jovem, ácido e fresco, a um mais elaborado.

Todo dia aparece um novo produto com cuidados de grande vinho, com técnicas de vinificação baseadas nos melhores procedimentos mundiais.

Começando pelos produtores tradicionais, que fizeram sua acumulação primitiva sobre a produção de vinhos com uva de origem americana, a Perini tem agora um vinho de excelência, o 4uatro.

A Aurora, relança a sofisticada linha de produtos de preço médio, a Pequenas Parcelas, mantém seu Millésime Cabernet Sauvignon e implanta a linha de Pinto Bandeira, com um Pinot Noir e um Chardonnay que logo se colocaram entre os melhores do País.

A Valduga, a Dom Laurindo e outras casas tradicionais, foram sofisticando seus produtos. A Pizzato que vendia uva para a Cooperativa Aurora, produz alguns dos melhores produtos do continente.

Evidentemente, é preciso falar da Salton, que renasceu com o capital acumulado em destilados como o dito Conhaque Presidente e soube investir em vinhos de qualidade, chegando ao Talento e ao Desejo, ícones de um determinado estado da arte do vinho no Brasil, representantes máximos do comecinho do milênio. Recentemente, por ocasião de uma ótima festa de aniversário, fui capaz de provar vinhos da virada dos anos 1990 que conservavam frescor e acidez, dando provas de longevidade e potencial para investir ainda mais em vinhos de excelência, por mais que o foco principal estivesse voltado nos produtos de quantidade, seja para o mercado exterior, seja para o interno.

Merece destaque a Peterlongo, talvez a primeira proposta da década de 1950 a fazer um produto de qualidade que culminou com estes Teroldego, Touriga Nacional, Merlot e Cabernet Sauvignon, que, sob a marca Armando, chegam ao mercado em luxuosa caixa de madeira e garrafa pesada, custando menos de R$60,00 ao consumidor final.

É bom observar a Dal Pizol, conhecida – entre outras razões – por ser a protagonista de uma historia que rodou o mundo do vinho: consta que um dia, no restaurante Piselli, o Boni pai, um dos maiores colecionadores de vinho com uma adega de respeito, emérito degustador, foi convidado pelo criador do documentário Mondo Vino, o Jonathan Nossiter, a degustar um vinho embrulhado em papel alumínio. Boni vaticinou: é 1982, Bordeaux. Era 1982, mas não era Bordeaux, era Vale dos Vinhedos, Dal Pizol!
É preciso citar que o vinho no Brasil demoraria ainda mais para se consolidar, se não fossem três industrias internacionais do vinho, que se implantaram por aqui na década de 1970 e todas, por esta ou por aquela razão, foram embora ou diminuíram suas ambições – penso na Almadén, na Chandon e na Martini-Cinzano. Hoje não tão importantes, mas trouxeram técnica enológica, inspiração criativa, fome de especificidade, que, aliados a profundo conhecimento técnico, disseram a que vieram.

A Miolo, com um dos responsáveis diretos pela mudança do patamar qualitativo de produção do país, o enólogo Adriano Miolo, veio para fazer produtos de alta gama, sustentados pela linha Seleção, de farta produção e distribuição, o que parece ter sido abandonado enquanto estratégia de marca, pois o produto simples estaria impregnando os produtos de alto nível. Agora, com os joint ventures e com a compra da Almadén, com as parcerias com a Randon e com o Galvão Bueno, com a presença em quase todos os terroir do país, a Miolo se posiciona novamente como a empresa a ser observada.

A Lídio Carraro, que se especializou em vinhos sem madeira, traça um plano de negócio que parece ser compensador, com altos investimentos em comunicação, como foi o notável esforço do Vinho da Copa de 2014, os Faces.

E aqui aparecem alguns dos outsiders que foram atraídos para o negócio, que puseram dinheiro ganho em atividade alheia ao vinho, e que estão acreditando no retorno em prazer engarrafado.

Puseram o que ganharam com distribuição de petróleo, com comercialização de fios e tecidos, com a produção de louças, com genética animal, com produção de cítricos, com mineração.

A Luiz Argenta implantou-se nas terras que um dia pertenceram à Granja União, nos limites de Flores da Cunha, produzindo vinhos de butique, de boa qualidade, com garrafas diferenciadas, mostrando que veio para atender uma linha de wine souvenir.

A Villa Francione nasceu com a pretensão de produzir apenas 300.000 garrafas/ano, com tintos de cortes de primeira linha, mesclando vinhos italianos e franceses, fazendo dinheiro com um rosado muito bem aceito.

A Guatambu criou uma linha básica em Dom Pedrito e vem apostando na excelência de seu Épico.

A Routhier&Darricarrere de Rosário do Sul, marca da binacional Citrosul – a maior produtora de cítricos da América do Sul, recuperou em 7ha o savoir-faire de seus fundadores, que na década de 1950 escaparam para a América, exilados dos horrores das guerras da África do Sul. De família com raízes na França, produzem vinhos únicos, uns com levedura selvagem, outro usando método ancião para espumantes, trazendo um lado único para o vinho brasileiro.

A Perini lançou-se em produzir vinhos de exportação para o mercado norte-americano e contou com a supervisão de reconhecidos enólogos, para produzir grandes espumantes e Pinot Noir, além do 4uatro.
A Guaspari já nasceu com dois produtos dignos, o Vista do Chá e o Sauvignon Blanc, talvez o único desta uva branca a seguir os princípios de produção de Graves em Bordeaux.

Tem outro grupo de produtores que vale citar. Os pequenos que nasceram nesta geração e que estão se consolidando como pequenos. O primeiro que me vem à cabeça é o Angheben, mas tem a Vallontano, a Estrela do Brasil, a Campos de Cima, a Cordilheira de Santana e outras tantas que vão ganhando destaque.

Aqui, obviamente, merece citação da mais prestigiada marca de produtores do Brasil, no exterior – a Geisse, com seus espumantes que são citados como entre os melhores, no mesmo nível de Franciacorta e Champagne.

A Boscato ousou criar um vinho com quatro anos de guarda, o Anima Vitis, muito acima do investimento de seus bons vinhos Merlot Reserva e outros. Era a aposta para o reconhecimento da vinícola como produtora de excelência. Entre os médios e os pequenos, esta vinícola que nasceu seguindo princípios de investimento consolidados na Califórnia, com gotejamento automático e ventiladores antigeada, fixou-se no mercado do sul do país, para só depois retomar voos para os outros mercados importantes como SP, MG, Brasília e RJ.


Breno Raigorodsky (de São Paulo) é bacharel em filosofia, publicitário, juiz internacional de vinho e winecoach (www.winecoachbr.com)


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PUBLICAÇÃO DE 18 DE MAIO DE 2018


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